Belas Maldições (Good Omens) é uma benção de humor refinado
Todos sabem que a Bíblia foi escrita na forma de parábolas e metáforas para facilitar o entendimento dos humanos da época. Mas imagine que a história da Terra tenha ocorrido literalmente como está descrito no Livro Sagrado do Cristianismo. Dessa maneira o planeta teria pouco mais de 6000 anos e já estaríamos próximos dos eventos que configuram o Apocalipse. Basicamente essa é a história de Good Omens, escrita por Neil Gaiman e Terry Pratchett em 1990. Nesse contexto vamos compreender que o Armagedon se trata de uma guerra entre as forças celestes e as hordas do inferno. O mundo iria acabar como previsto, não fosse pela ajuda inesperada de um anjo e um demônio bem-intencionados para com o planeta.
Aziraphale (Michael Sheen) é um anjo e vendedor de livros antigos, ex-guardião do Portão Leste do Jardim do Eden. Crowley (David Tennant) foi a serpente que tentou Eva. Os dois são representantes de seus respectivos reinos na Terra, e tem estado nela desde o Início, assim formando uma estranha ligação com a humanidade e os confortos que ela propicia. Além disso, os dois são grandes amigos mesmo com suas diferenças claras. Essa amizade irá se fortalecer com o anúncio da chegada do AntiCristo na figura do garoto Adam (Sam Taylor Buck).
Em meio a todas as turbulências para evitar o Fim dos Tempos os representantes do Céu e Inferno terão de lidar com o Anjo Gabriel (Jon Hamm) e receber a ajuda de Anathema Device (Adria Arjona) e Newton Pulsifer (Jack Whitehall) portadores do livro As Justas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa. Tudo isso narrado em off pelo Todo Poderoso (Frances McDormand).
Os roteiros foram totalmente escritos por Neil Gaiman, atendendo a um pedido de Terry Pratchett de que adaptasse a obra para a TV. Mesmo com pequenas mudanças no texto original, foram mantidas as referências mitológicas de Gaiman e o humos tipicamente britânico de Pratchett. Essa característica é tão incisiva que em determinados momentos dos episódios algumas passagens se transformam em verdadeiros esquetes a la Monty Python. Tanto que a própria abertura da série tem o estilo visual de Terry Gilliam.
Mesmo com algumas piadas exageradas e os flashbacks explicativos o roteiro flui bem e proporciona uma história concisa e bem amarrada. Obviamente adaptar um livro denso para apenas seis episódios não é tarefa simples e algumas coisas se perderam, como o motivo de Crowley só ouvir músicas do Queen em seu amado carro. Sem essa explicação a maior parte da trilha sonora (com músicas do Queen) ficou totalmente sem contexto.
Design de Produção e Efeitos Especiais tem alguns problemas, talvez devido a baixo orçamento. Mas isso tudo é compensado pelas excelentes atuações de David Tennant e Michael Sheen. Ainda que já me pareça saturada a piada de retratar o anjo ingênuo e abobado em contraste com o demônio esperto e divertido, o texto criativo e repleto de ironias dos autores consegue compensar esse clichê. Enquanto Sheen literalmente encarna um anjo muito bem construído em suas peculiaridades, Tennant dá um show com suas caras e bocas muitas vezes beirando o psicótico. Mesmo com o ar de comédia sarcástica e o tema difícil, Good Omens entrega um entretenimento suave com um subtexto muito rico.